UFSM
A contemporaneidade é marcada pela ascensão de uma nova lógica econômica que reconfigura as relações de poder e a própria condição humana: o capitalismo de vigilância. Este trabalho tem como objetivo realizar uma análise teórica aprofundada desse paradigma, investigando como as grandes corporações de tecnologia (big techs) sistematizaram a extração de dados comportamentais como o principal mecanismo de acumulação de capital. Distanciando-se de uma análise meramente instrumental da tecnologia, o estudo busca desvendar a arquitetura de poder que emerge quando a experiência humana é convertida em matéria-prima para a predição e modulação de comportamentos em escala global. A metodologia adotada para esta investigação consiste em um ensaio teórico-conceitual, fundamentado em uma revisão crítica da literatura. O arcabouço teórico articula o conceito de capitalismo de vigilância (Zuboff, 2021) com as noções de governamentalidade algorítmica (Foucault, 2014) e sociedade de controle (Deleuze, 1992). A análise se concentra em três eixos: 1) a lógica da expropriação de dados, que transforma o comportamento em "excedente comportamental"; 2) a criação de "mercados de futuros comportamentais", onde se negociam certezas sobre as ações humanas; e 3) a consolidação de um "poder instrumental", uma forma de poder assimétrica e opaca que opera para além dos mecanismos democráticos de fiscalização. Como resultados, o estudo visa a desnaturalizar as operações das big techs, expondo-as não como provedoras neutras de serviços, mas como as instituições centrais de um novo regime de poder. Argumenta-se que este modelo não apenas viola a privacidade, mas institui uma nova forma de controle social que opera pela modulação contínua de desejos, crenças e ações, erodindo a autonomia individual e a soberania do sujeito. A personalização de serviços emerge, nesta análise, como a face benevolente de uma sofisticada engrenagem de vigilância. Como considerações finais, reforça-se que o capitalismo de vigilância representa uma mutação radical do capitalismo, com profundas implicações éticas, políticas e sociais. Conclui-se que a compreensão de sua lógica extrativa e de seus mecanismos de poder é condição essencial para a formulação de novas formas de regulação, resistência e para a defesa de um futuro digital que não sacrifique a liberdade humana em nome do lucro. O trabalho aponta para a urgência de um debate público e acadêmico que transcenda a superfície das inovações tecnológicas para questionar as estruturas de poder que as sustentam.
Referências bibliograficas:
DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992.
FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2019b.
HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
ZUBOFF, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2021.